Lembro perfeitamente da única e última vez que comprei. Tinha acabado de voltar de Manaus, onde me esbaldei de suco e mousse de cupuaçu por uma semana. Voltei com uma receita do doce e a idéia fixa de experimentá-lo assim que possível.
Poucos dias depois, adentrei no mercado negro das frutarias paulistanas atrás do bendito. Já tinha marcado com amigos uma pizza ou algo do gênero à noite e queria-porque-queria servir a mousse de sobremesa. Mas acho que tenho cara de polícia - ninguém tinha, ninguém viu, ninguém sabe. Quando já estava desanimando, achei um mocinho que tinha "uns dois ou três", mocados no fundo da barraca.
Me chamou prum canto e falou baixo.
"- A moça quer só um?
- É, acho que um tá bom.
- A moça tem como abrir?
- ........
- A moça sabe abrir?"
Olhei pro cupuaçu e sua cobertura aveludada e caiu a ficha: a casca é dura feito um coco verde. E, tal como ele, deve ser aberto no facão. Minha cara de desespero foi a chave pro rapaz abrir a fruta pra mim, quebrando no meio com certo sacrifício e expondo o interior branquinho.
Saí feliz e vitoriosa do mercadão, com o cupuaçu aberto e cheirando horrores num saco plástico. O carro ficou empesteado, graças ao calor dantesco. "Tudo bem, porque eu tenho meu cupuaçu." Escancarei as janelas e fui cantarolando pra casa.
Assim que cheguei, corri pra cozinha. "Vai ficar uma delícia", pensei, rindo um pouco dos pobres paulistanos mortais que se contentam com cupuaçu congelado. Peguei uma colher de sopa para retirar a polpa. Surpresa: a colher não entrava. Ao contrário de todas as outras polpas, esta era fibrosa e gelatinosa ao mesmo tempo. Não esmaeci, peguei uma colher maior. Nada. Meti a mão e o interior se desgrudou todo da casca. "Ok, não devia ser diferente antes de os europeus chegarem."
Coloquei num pote. O cheiro forte começava a me nausear. Precisava separar as sementes, grandes e escuras como olhos. Agarrei com esforço uma delas, puxei e nada: continuava grudadinha na polpa, protegidinha. "&@#%! Como ela pode germinar assim?" Puxei com mais força. Lembrei do facão do fruteiro e busquei uma faquinha na gaveta. Tentei cortar, enfiar, espetar, serrar; tentei tudo de novo com uma faca maior. Nada.
Suando e xingando a biodiversidade brasileira, faço uma última tentativa antes de mandar tudo às favas e comprar um sorvete industrializadíssimo: uma tesoura. Apelei mesmo. Vários tec-tec-tecs depois, havia conseguido enfim meu intento. Meses mais tarde, vim a saber que esta é a única maneira mesmo de tirar as sementes.
Bati a polpa com creme de leite e leite condensado no liqüidificador rapidinho, já de saco cheio dessa história e louca pra me livrar daquele cheiro. Dizem que ficou bom: eu provei um pouco, só pra não ficar chato, mas o bode estava amarrado demais no meu pé para achar delicioso.
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Então siga os conselhos: se resolver investir os 11 reales cobrados pelo Pão de Açúcar num único cupuaçu, certifique-se de que tem meios para abrir a fruta e uma tesoura afiada em casa. O gosto é realmente único e viciante. Vale a pena quando vem um manual de instruções...
10 comentários:
SPEC-TAC-ULAR!
Ahhhhhh, vc não contou na época que passou esse suador todo! Mas assino embaixo, ficou realmente uma delícia. Faça mais, faça mais. Beijo
São os segredos que toda cozinheira guarda - pelo menos até ter a capacidade de rir deles... ;)
Vc sabe que o suco que mais gosto é o de cupuaçu?
A primeira tb apanhei pra xuxú e depois tb fiquei sabendo que era só picar com a tesoura...se eu soubesse...rsss...
Bjs
Sonia novaes
Hilariante o relato !!
Mais ainda porque eu estou com um Cupuaçu aqui na minha casa e preciso abrí-lo amanhã...
Sem o manual de instruções ( também clamei por um ao por a fruta no carrinho de compras no Pão-de-Açucar ) apelei para o velho e bom pai-de-santo dos tempos modernos, o oráculo Google, que gentilmente me trouxe para o seu blog... Se vou conseguir tomar uma boa vitamina amanhã pela manhã eu não posso responder... mas saiba que rendeu ótimas gargalhadas !!!
Rogerio Santos
Oi, comigo aconteceu igualzinho o Rogério, ehehehe. Adorei teu texto, adorei teu blog....quero linká-lo ao meu, posso? Abraço!
PS: Pretendo abrir meu cupuaçu amanhã, ai ai ai....
Paguei 6 reais por cupu aqui em BH e ele estava quase estragando porque eu não conseguia abri-lo. Seu sofrimento me valeu. Joguei no google e tcharam, fez-se a luz, ou melhor, vc me deu a luz!!!! E olha que pedi a amigos maranhenses que me dessem a receita do divino creme. Só depois me dei conta de que não tinha a mínima idéia de como abri-lo e eles tbm não!!!!!. Depois conto o resultado.
Que Deus te abençõe, pois já não sabia mais o que fazer e apelei para a internet e encontrei o anjo da guarda para as amantes do cupuaçu. Obrigada.
Meu amado marido foi a Belem/PA a trabalho e voltou muito empolgado!!! Trouxe DOIS cupuaçus, sabendo que eu amo a fruta "industrializada", mas quando bati o olho na verdadeira, tive um chilique daqueles: "como assim????". Enfim, uma colega de trabalho me orientou que deveria utilizar uma tesoura, mas não falou como abri-lo, eu ingenuamente, catei uma faca de serraaaaaa, ai que vergonha!
Graças ao seu relato e de todos os comentários acima, agora estou mais aliviada por não ser não a única, porém não menos resolvida, pois ainda tenho que abrir essa delícia, que está enfestando minha geladeira com esse cheiro ma-ra-vi-lho-so! :)
Renata Rachid (Campo Grande/MS)
faço o creme, o tradicional pois tenho um banca de açaí , engraçado aqui em piracicaba sp meus clientes, pedem sempre o romeu e julieta, metade açai, metade cupuaçu.
Sempre fiz com a polpa, hoje comprei o próprio.
Sei que terei um noite árdua, porém vamos a luta.
Valeu pelas risadas
abraços
robinson piracicaba sp
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